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quarta-feira, 23 de março de 2011

O assédio moral e o medo, o que fazer?

O assédio moral e o medo, o que fazer?

Existem executivos que se orgulham de dizer que administram seus colaboradores através do conflito. Isso significa que esse tipo de líder incentiva a competitividade entre seus funcionários e com isso espera que eles dêem o máximo de sua potencialidade e esforço pessoal, resultando em uma maior produtividade.

Assim, o ambiente de trabalho transforma-se em um inferno. O local onde o trabalhador passa a maior parte do dia faz lembrar o significado da expressão em latim tripalium, que deu origem a palavra trabalho: tortura. Trabalhar então significa ser torturado com inúmeras exigências e regras que devem ser cumpridas, estabelecimento de metas impossíveis de serem atingidas, constantes avaliações, insatisfações, fofocas, intrigas e medo.

Segundo Marie-France Hirigoyen1 "por assédio em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho".

No nosso ordenamento o empregador tem o poder potestativo de demitir sem justa causa e assim se torna proprietário do medo do trabalhador, que teme perder o emprego e não conseguir recolocar-se, que imagina não poder manter as despesas de sua família, que prevê a possibilidade de precisar endividar-se para pagar os compromissos já assumidos. O trabalhador vive com a faca no pescoço e em razão disso trabalha muito mais do que seria recomendável e em geral comprometendo o convívio com a família e sua própria saúde.

O contrato de trabalho coloca o trabalhador numa situação de subordinação ao empregador, que tem o poder de direção. O poder de direção não é, contudo, ilimitado. Os direitos fundamentais do trabalhador limitam o poder de mando do empresário que não poderá invadir a esfera pessoal do trabalhador, humilhando-o.

O medo é o instrumento que o líder autoritário utiliza para assediar moralmente um trabalhador. Usa-o para sugar do trabalhador toda a sua energia de trabalho e também para obrigá-lo a deixar a empresa quando se torna inútil para seus objetivos. Felizmente essa forma de administrar, que persegue apenas os resultados financeiros, está exaurindo-se e a sociedade contemporânea exige que o trabalhador seja tratado como um ser humano, cidadão e partícipe do desenvolvimento social e econômico.

Não é frequente que seja uma filosofia da empresa, normalmente é um procedimento de líderes limitados ou pessoas que tem cargo de chefia, mas não são administradores. Alguns acreditam que são poderosos e tem procuração para realizar suas perversidades. Falta-lhes habilidade para administrar pessoas, mas são hábeis na utilização de ferramentas repressivas, ou como disse Hirogoyen2, "manejam melhor o chicote que a carroça". Utilizam técnicas de gerenciamento autocráticas e superadas, já que diversos estudos demonstram que a participação e o trabalho em equipe constituem formas eficientes de atingir bons resultados.

O assédio é uma doença organizacional, um vício na gestão empresarial, um tumor que viceja na estrutura hierárquica da organização do trabalho, verticalmente ou horizontalmente, e que precisa ser identificado e combatido com o objetivo de manter sadios os valores da empresa e não comprometer a motivação dos funcionários.

O assédio moral que é uma violência psicológica que pode ser manifestar-se de diversas formas:

· Ferir a personalidade do trabalhador, atribuindo a ele características pessoais negativas, qualificando-o de louco, problemático, teimoso e outros adjetivos.

· Degradar o desempenho profissional através de avaliações constantes, taxando o trabalhador de incompetente.

· Limitar a comunicação impedindo que ele possa exprimir-se.

· Isolar o trabalhador, reduzindo suas relações com outros trabalhadores ou transferindo-o para locais distantes.

· Comprometer a saúde do trabalhador, submetendo-o a um rigor excessivo e pressionando-o constantemente.

Algumas condutas adotadas podem dar ideia do nível de constrangimento a que é submetido o trabalhador:

· Transferir todos os subordinados para outras áreas.

· Humilhar, inferiorizar, menosprezar, ridicularizar, desprezar o trabalhador em público.

· Transferir a sala, ou reduzir seu tamanho sem nenhuma razão aceitável.

· Retirar a mesa de trabalho.

· Retirar telefone, computadores, impressoras e outros instrumentos de trabalho.

· Suprimir ou reduzir bastante as tarefas.

· Requisitar a realização de atividades que exigem uma qualificação maior.

· Requisitar a realização de atividades que exigem pouca qualificação, estranhas ao tipo profissional, inúteis ou degradantes.

Existem alguns tipos de assédios característicos para alguns trabalhadores. Assim, em relação às mulheres as ações normalmente procuram atingir sua competência ou sua reputação pessoal. Em relação aos mais jovens as ações costumam desacreditá-los pela inexperiência. Em relação aos mais velhos a ações procuram atingir sua produtividade criticando sua energia para o trabalho, sua obsolescência ou mesmo sua reputação profissional.

O trabalhador que se sentir assediado deve registrar os fatos e colher evidências que possam demonstrar ou dar indícios do assédio e relatar tais fatos à direção de recursos humanos de empresa. Caso tais fatos persistam o Direito do Trabalho irá tutelar seus direitos e ele poderá requisitar a Rescisão Indireta que extinguirá a relação de emprego e o trabalhador fará jus a todas as verbas indenizatórias.

Para combater o assédio moral a empresa pode adotar os seguintes procedimentos:

· Praticar a política de portas abertas, ou seja, deve permitir e incentivar os trabalhadores a acessar a todos os níveis hierárquicos da empresa.

· Desenvolver diversos canais de comunicação que permitam avaliar a satisfação dos funcionários, além de ouvir sugestões e críticas, sem a necessidade de identificar-se ou temer represálias.

· Criar e difundir um conjunto de valores culturais a serem respeitados por todos os funcionários, que incluam princípios éticos, filosofia de participação, liberdade de expressão.

· Fornecedor aos líderes treinamento em relação a técnicas de gestão empresarial.

· Investigar e avaliar qualquer indício de assedio moral.

O departamento de Recursos Humanos não pode fingir que não vê ou tomar a postura de "não interferir na administração do setor". Pode acontecer ainda, que a empresa acabe por perceber que aquele executivo que atinge bons resultados é justamente quem assedia. Ele promove jogos entre os membros de sua equipe e quem não consegue os resultados esperados é obrigado a fazer algum procedimento vexatório, como por exemplo, dançar a "dança da garrafa". O que fazer então? É preciso que haja uma visão de médio e longo prazo. A intimidação e os procedimentos vexatórios podem inicialmente obter bons resultados, mas ao longo do tempo provocam conflitos, insatisfações e desmotivação, além de um passivo trabalhista.

No Brasil ainda não há uma norma de abrangência nacional para coibir o assédio moral. Alguns municípios têm normas sobre esse tema que abrangem o serviço público. Contudo, a Constituição Federal de 1988 adotou como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, além disso, é um direito fundamental do trabalhador a manutenção de sua integridade física e mental. O assédio moral fere frontalmente os princípios constitucionais. Empregadores e trabalhadores já percebem que o trabalho não pode ser uma tortura, mas satisfação e realização. O trabalho só valerá à pena se for realizado como parte de um projeto de vida que inclua dignidade, realização profissional e qualidade de vida da pessoa do trabalhador e nesse quadro não há lugar para o assédio moral em um meio ambiente sadio de trabalho.

__________________

1 HIRIGOYEN, Marie France. Assédio Moral - A violência perversa no cotidiano. 11ª ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2009, p.66.

2 HIRIGOYEN, Marie France. Assédio Moral - Mal estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. São Paulo: Editora Bertrand Brasil, 2002, p.35.

Euclides Di Dário*

*Advogado do escritório Maués Trindade Advogados


Migalhas
- 23/03/2011

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